Resumo
O presente projeto congrega um conjunto de pesquisas individuais em desenvolvimento no Cecult lFCH-Unicamp em tomo da experiência dos trabalhadores pobres nas duas principais cidades brasileiras. Parte-se da intenção de problematizar alguns cânones bibliográficos, ainda hoje repostos na historiografia sobre o período. Em primeiro lugar, a idéia de que o final da escravidão resultou na formação de uma classe operária branca, imigrante e atuante politicamente. Os ex-escravos e seus descendentes estariam excluídos da história, subsumidos por uma nova realidade intrinsecamente diferente da anterior. Em segundo lugar, o quase consenso de que a formação das duas maiores cidades do País, São Paulo e Rio de Janeiro, consagrariam duas possibilidades opostas na configuração da experiência dos trabalhadores nas primeiras décadas do século XX: na primeira, tomaria forma uma classe operária combativa e disciplinada; na segunda, trabalhadores mais propensos ao consenso, ao compromisso com as autoridades e os patrões, menos engajados na luta de classes. O projeto busca também explorar as conexões entre duas importantes tradições historiográficas da História brasileira: a tradição concedente ao estudo da experiência dos trabalhadores no Brasil, amplamente inspirada nos trabalhos seminais de E. P. Thompson e outros historiadores sociais marxistas e aquela relativa ao tema da escravidão, da história dos trabalhadores escravos e de seus descendentes. Ao longo das duas últimas décadas a história da escravidão no Brasil vem sendo reescrita por meio de importantes estudos que aprofundam nossa compreensão sobre a experiência escrava, alterando de maneira substancial visões tradicionais sobre as relações entre senhores e escravos. No entanto, essas duas tradições permaneceram relativamente apartadas entre si. Um dos nossos objetivos é, assim, estabelecer relações entre elas para promover discussões e trocas entre os estudiosos e rever a experiência dos trabalhadores no período em estudo. O projeto cobre o período compreendido entre os anos de 1870 e 1930. Em 1870, a Lei do Ventre Livre assinala uma profunda crise no sistema de dominação senhorial. Por sua vez, 1930 testemunha o advento de novas relações de trabalho mediadas pelo estado. Durante este período, a composição das classes trabalhadoras sofreu mudanças significativas e a experiência dos trabalhadores como membros de uma classe, adquiriu novos sentidos. O estudo estará focalizado em dois importantes bairros de trabalhadores urbanos, Santana, no Rio de Janeiro e Bexiga, em São Paulo, áreas amplamente conhecidas por sua diversidade étnica e cultural. Embora a região de Santana tenha sido batizada por um velho sambista como a "pequena África", estava longe de ser um espaço exclusivamente negro. Abrigou também imensos contingentes de Portugueses, Italianos, Espanhóis, Judeus e outras nacionalidades vindas com a imigração. De forma similar, o Bexiga, considerado hoje como um bairro italiano, foi habitado por grupos negros responsáveis por alguns de seus traços culturais mais expressivos. O microcosmo culturalmente diversificado apresentado por esses bairros oferece ao historiador uma oportunidade ímpar para estudar as estratégias sociais e as práticas culturais da classe trabalhadora na virada do século... (AU)