Resumo
O trabalho que visamos tem como ponto de início a teoria da alma tripartida tal como ela é desenvolvida na República. De entre os fenômenos que Platão apresenta neste diálogo como próprios da interioridade humana durante a existência biográfica, analisaremos em particular (i) o caráter marcadamente independente dos elementos constituintes da alma e a natureza fragmentada desta última, (ii) a importância da stasis na vida psíquica e a conseguinte sujeição do indivíduo à autodiscórdia e ao estranhamento de si mesmo, (iii) a valoração do epithumetikós como contrário à unidade interna e, simultaneamente, (iv) do logistikón como princípio mais escasso e vulnerável, em grande medida incapaz de se realizar plenamente. Mostraremos que, para Platão, todas estas condições afetam o ser humano naturalmente, pondo obstáculos ao caminho do conhecimento, da ação virtuosa e da felicidade. Com base nisto, proporemos a hipótese de que - em relação intrínseca com a teoria da alma tripartida e de modo sub-reptício ao tom encorajador do diálogo como um todo - o Platão da República pode plausivelmente ser entendido como pessimista. Procuraremos imediatamente examinar a natureza deste pessimismo. Distinguiremos um pessimismo propriamente filosófico, e o definiremos como uma visão construída criticamente a partir da consideração dos aspectos irracionais e adversos da realidade. Nosso objetivo neste contexto será defender que, do ponto de vista antropológico e em contraste com a difundida interpretação de que Platão é um defensor entusiasta do desenvolvimento baseado na razão e no conhecimento, ele pode ser considerado como um dos membros mais antigos da tradição filosófica do pessimismo, na medida em que o seu pensamento se constrói a partir do reconhecimento de características inatas da alma que limitam a superação humana. Consideraremos, por último, a tese platônica na República em sua complexidade, observando que a tendência negativa e crítica coexiste com um posicionamento positivo e exortativo. Neste contexto, procuraremos compreender qual é a fonte e como se justifica este discurso afirmativo, e de que maneira Platão transita entre ambos os aspectos do seu pensamento.
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