Resumo
O objetivo dessa pesquisa é comparar no que os saberes produzidos pelo movimento transfeminista, pelo discurso médico e pela psicanálise concordam ou discordam ao olhar para a questão do corpo na transexualidade. Se por um lado as questões relacionadas à transexualidade estão cada vez mais aparecendo tanto no panorama brasileiro como no mundial, vide sua presença frequente na mídia e as filas imensas para a cirurgia de redesignação de sexo nos hospitais especializados, por outro lado a rede de organizações que apoiam os direitos da população transgênero (Transgender Europe) afirma que o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de travestis e transexuais. O corpo das pessoas transexuais é assim objeto de violência, de preconceito e igualmente de pesquisas e intervenções. No movimento transfeminista podemos destacar as seguintes questões no que se refere ao estatuto do corpo: a questão da agência, que seria o poder de decisão total sobre o corpo; a da adequação em normas binárias de gênero; e a da orientação sexual. A partir do momento que a transexualidade passa a ser considerada doença, ela se submete ao saber médico. Nessa medida, é a medicina quem estabelece os critérios para dizer quem está "apto" a ser considerado doente e isso significa a ausência do poder de decisão das pessoas transexuais para com seus próprios corpos. Se por um lado, patologizar a transexualidade permitiu que as modificações corporais fossem instituídas na prática da saúde, por outro, limitou a agência sobre o corpo e a autodeterminação de gênero das pessoas transexuais. Vemos que a questão da agência é problematizada tanto no discurso médico quanto no psicanalítico. Observamos que na psicanálise não encontramos um consenso sobre a transexualidade. Encontramos posicionamentos que assumem uma condição patológica da transexualidade, muitas vezes colocando-a no campo das psicoses, mas também encontramos aqueles que defendem que a transexualidade não é em si uma patologia, mas expressa uma experiência identitária que só pode ser avaliada de maneira singular. É possível verificar que as teorias que patologizam a transexualidade estão fundadas numa matriz binária heterossexual, que acaba por regular a sexualidade e a subjetividade. Uma das críticas possíveis para tais teorias é apontar que na transexualidade existem diversas formas de subjetivação e de construções de gênero, desse modo, contrapondo-se à ideia de uma posição subjetiva única, como fazem as teorias psicanalíticas estruturais que se propõem em identificar o "verdadeiro" transexual. A quem pertence o direito de legislar sobre esse corpo? Pretendemos aprofundar e examinar os argumentos desses campos de conhecimento, por entender que um depende do outro: as pessoas transexuais dependem da psicologia e medicina para a realização da cirurgia de redesignação sexual, embora reivindiquem o direito de decidir sobre seus corpos; a medicina requer um laudo psicológico e um acompanhamento psicoterápico; e, por sua vez, a psicanálise está submetida à medicina no que tange à execução de qualquer intervenção sobre o corpo. Ao mesmo tempo, a psicanálise possui o dever ético da escuta do sujeito, embora não possa descartar que existam algumas dinâmicas psíquicas mais complexas do que outras. (AU)
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