Resumo
Os acidentes por serpentes representam um sério problema de saúde pública em diversos países. No Brasil, foram notificados mais de 170 mil casos de acidentes cuja maioria é decorrente de picadas de serpentes do gênero Bothrops. Entretanto, é o gênero Crotalus o que apresenta o maior índice de letalidade. As serpentes desse gênero são popularmente conhecidas como cascavéis e são representadas por uma única espécie (Crotalus durissus) no território brasileiro. A C. durissus é subdividida em seis subespécies, sendo a C. d. terrificus uma das mais prevalentes. A peçonha crotálica apresenta, principalmente, ações neurotóxica, miotóxica e na coagulação sanguínea, e seu componente majoritário é a crotoxina. A crotoxina é um complexo formado por uma fosfolipase A2 (PLA2) sem atividade catalítica (subunidade ácida) que atua como uma chaperona para a PLA2 cataliticamente ativa (subunidade básica), direcionando-a a sítios específicos que levam principalmente a ações neurotóxicas. A crotoxina é a principal responsável pela morte no envenenamento crotálico, devido ao bloqueio causado na transmissão neuromuscular, levando a vítima a uma parada respiratória. O tratamento atual do envenenamento é feito através da administração de soro antiofídico, produzido a partir da purificação de imunoglobulinas de cavalos, que foram previamente hiperimunizados com a(s) peçonha(s) de interesse. Embora seja eficaz, a utilização do soro pode levar a muitas reações adversas na vítima (tanto precoces quanto tardias), que incluem até mesmo um quadro de choque anafilático e o desenvolvimento da "doença do soro". Inibidores de PLA2 (PLIs) que estão no sangue de serpentes como parte de um mecanismo inato de defesa contra a própria peçonha e/ou a peçonha de outras serpentes já demonstraram atividades antimiotóxicas ou antineurotóxicas. Esses inibidores são classificados em três grupos (±, ² ou ³) em função do domínio apresentado. Esse trabalho visa a caracterização de um inibidor de PLA2 da classe ², denominado CdtPLI2, recentemente detectado na glândula de peçonha de C. d. terrificus, objetivando sua utilização como adjuvante na terapia do envenenamento. Para a execução desse projeto, será construído um gene sintético com a sequência de cDNA do CdtPLI2, que será, posteriormente, expresso em Pichia pastoris e isolado do sobrenadante da cultura através de cromatografia líquida de proteínas. O inibidor recombinante será extensivamente caracterizado estruturalmente, com ênfase em sua massa molecular, modificações pós-traducionais e estrutura tridimensional. Estudos in vitro (inibição de atividade fosfolipásica e cinética enzimática de inibição) serão utilizados para caracterização da inibição da crotoxina e da PLA2 de C. d. terrificus e da inibição da atividade fosfolipásica de diferentes peçonhas de serpentes brasileiras com interesse médico. Por sua vez, através de estudos in vivo será avaliada a inibição do CdPLI2 sobre os efeitos sistêmicos e indução de edema da crotoxina e da PLA2 de C. d. terrificus. A partir de ensaios in vivo (alteração de parâmetros bioquímicos e da liberação de citocinas), também será avaliada possível toxicidade causada pela administração do CdtPLI2 recombinante. Esse estudo tem como objetivo avaliar o possível uso do CdtPLI2 recombinante como um complemento na terapia do envenenamento, por inibir os efeitos sistêmicos causados pela crotoxina. Este também será o primeiro estudo detalhado sobre um PLI da classe ². Além disso, o presente trabalho abre portas para possíveis aplicações de inibidores de PLA2 em doenças relacionadas com um aumento na atividade de fosfolipase A2 endógena no organismo. (AU)
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