Resumo
A proposta desta pesquisa de doutorado é investigar como, sobretudo, mulheres negras e/ou as de classes populares, mobilizadas por suas experiências, agenciam noções de "bom parto" (PULHEZ, 2015). Parte do trabalho de campo já foi realizado, abrangendo diferentes níveis e serviços de atenção ao pré-natal, parto e puerpério no SUS, na Região Metropolitana de Campinas. Atenta às questões êmicas, durante a transição direta do mestrado para o doutorado, o objeto de pesquisa se ampliou e passou a aderir à categoria espiritualidade. O foco da análise continua sendo o de entender como as narrativas de mulheres negras e/ou as de classes populares podem tensionar ou corroborar outros discursos sobre o parto - especificamente o biomédico tido hegemônico, os do estado e os das ativistas pelo parto humanizado, em suas diversidades práticas e discursivas - e o olhar ainda tem se voltado à produção de diferenças nos processos de gestação, parto e puerpério, especialmente para raça e classe enquanto categorias sociológicas privilegiadas no escopo de análise. Bem como tais categorias de articulação (PISCITELLI, 2008), a espiritualidade passa a ser importante num contexto em que os perfis sociológicos que busco traçar são compostos por agentes do estado - com a ponta dos serviços e as políticas públicas -, pelos ativismos pela humanização do parto e também pelas experiências de gestação, parto e puerpério das mulheres interlocutoras de pesquisa. Nessa esteira, autores que propiciam uma reflexão sobre corpo e experiência, junto à teóricas do feminismo negro e interseccional e autores pós-coloniais dão a sustentação teórico- metodológica e auxiliam a pensar diferentes usos, apropriações e disputas em torno do corpo e também seus efeitos de poder. Também ao não separar a experiência do fazer estado, a proposta passa por um olhar sobre as políticas públicas de saúde direcionadas à população negra que, por sua vez, fazem referência a espiritualidade como fator relevante no campo da saúde. Ou seja, caberá entender melhor a produção e implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e sua relação com os processos de gestação, parto e puerpério, as categorias de diferenciação e o campo da espiritualidade. O contexto que também parte do campo dos ativismos pela humanização do parto, nos leva a observar o abrolhamento de mulheres negras que acionam ou que reivindicam uma discussão étnico racial e de classe social dentro desses movimentos. Muitas delas, inspiradas pelo que entendem como "saberes ancestrais" e por práticas de saúde não biomédicas, propõem uma interessante relação entre identidade, saúde e, de modo instigante, espiritualidade. Assim, a realização dessa etnografia multissituada que ocorre - além do acompanhamento de mulheres pela cidade de Campinas - em três instituições da região, sendo os Centros de Saúde na cidade de Campinas, o Centro de Atenção Integral a Saúde da Mulher (CAISM) e o Hospital Estadual de Sumaré (HES), sugere que um olhar interseccional para as diferenças na conformação dos processos de gestação, parto e puerpério pode ampliar os modos de pensar a relação entre saúde e espiritualidade. (AU)
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