William Saad Hossne conta no Dossiê Fapesp, publicado na revista Estudos Avançados:
“Um dia recebemos a informação de que um grupo do Comando Militar de São Paulo viria visitar a FAPESP. O prédio ficou cercado e subiram vários oficiais. Queriam saber o que era a FAPESP e que atividade desenvolvia. Os diretores presidente e administrativo, Jayme Cavalcanti e Celso Bandeira de Melo, deram informações detalhadas.
Em seguida, um dos oficiais pediu a lista de assessores. Esclareci que isso não seria possível porque eram de confiança do diretor científico; os assessores desempenhavam essa função em caráter confidencial e seus nomes eram mantidos em sigilo para evitar constrangimentos e pressão de interessados. Pediram então a lista de auxílios já aprovados e os que estavam em estudo. Expliquei que, com relação aos auxílios concedidos, estavam disponíveis na Relatório Anual da FAPESP; quanto aos que estavam em estudo, eram considerados sigilosos e não podíamos autorizar o exame.
Um dos visitantes insistiu em que eu teria de fornecer a lista. Respondi que não forneceria e enquanto o Cavalcanti conversava com eles, falei com o professor Cintra pelo telefone. Ouvi o seguinte: ‘É isso mesmo. Não dê!’. O resultado foi o Comando Militar reconhecer que a FAPESP gozava de bom conceito, ter plena confiança em nossa palavra e afirmar que não pretendiam interferir nas atividades da Fundação.
Mais tarde, porém, seguindo a norma aplicada a outras entidades de apoio, foi pedido que a FAPESP apresentasse, não me lembro bem se ao Itamatary ou ao Conselho de Segurança, a lista dos bolsistas no exterior. Esclarecemos que a aplicação dessa norma criaria obstáculos burocráticos e que, além do mais, as decisões da FAPESP se baseavam no mérito, sem qualquer patrulhamento ideológico.
Tivemos o apoio irrestrito de dois secretários de Estado - José Mindlin e Marcos Fletcher -, e a FAPESP, ao contrário de outra entidades, nunca submeteu listas de bolsistas no exterior aos órgãos de segurança. Também houve situações em que tivemos de ajudar a tirar bolsistas nossos da prisão, alegando que se tratava de pesquisadores sob nossa responsabilidade.”
Francisco Assis de Queiroz e Lincoln Taira, em um dos capítulos do livro “Fapesp – Uma História de Política Científica e Tecnológica”, afirmam:
“A FAPESP, apesar de ter sua imagem associada a universitários e intelectuais, sobreviveu às intimidações recebidas, a acusações de que estaria apoiando ‘comunistas’, a pressões para cortar bolsas ou fornecer endereços de bolsistas ‘de esquerda’. Os diretores se mantiveram fiéis ao princípio que norteou a Fundação, de apoiar o pesquisador e seu projeto, independente de posição política, religiosa etc. (...) A Fundação não só sobreviveu, como se expandiu consideravelmente, sem perder seu caráter inicial, de se pautar pela seriedade na administração e valorização dos pesquisadores e da qualidade dos projetos a ela encaminhados.”
Ref.: QUEIROZ, F.A.; TAIRA, L. Novos desafios institucionais: 1969-1983. In: MOTOYAMA, S. (org.) Fapesp: uma história de política científica e tecnológica. São Paulo: FAPESP, 1999. p. 141.